Em meio ao julgamento do sétimo capítulo do mensalão - seis réus, entre
eles ex-deputados do PT -, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo
Tribunal Federal, apontou para “equívoco” da Corte ao condenar um mesmo
acusado por dois crimes, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O
alerta de Marco Aurélio abriu uma polêmica entre juristas, advogados,
procuradores e delegados, atentos às tendências do Supremo.
Para
o ministro, se prevalecer o entendimento defendido por alguns de seus
pares, todo delito que envolver dinheiro necessariamente será seguido
de uma acusação de lavagem. Ele assevera que a lavagem é caracterizada
pelo dolo - o réu tem de saber que os recursos que recebeu tiveram
origem em ato criminoso. “Confundem os crimes de corrupção passiva e de
lavagem.”
Ao votar pela condenação do ex-ministro Anderson
Adauto (Transportes), o relator, Joaquim Barbosa, destacou que o
acusado se valeu dos mecanismos de dissimulação oferecidos pelo Banco
Rural e da ajuda de terceiros para receber R$ 800 mil da SMPB, de
Marcos Valério, operador do mensalão.
Barbosa considerou
que o fato de o dinheiro, cujo pagamento foi acertado com o
ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, ser alegadamente destinado ao
pagamento de dívidas de campanha, não elimina o crime de lavagem, pois
Adauto teria consciência da origem ilegal do dinheiro e por isso
empenhou-se em dissimular o seu recebimento.
Marco
Aurélio, ao comentar a parte do julgamento em que foram analisadas as
imputações de corrupção passiva, afirmou que este delito, na modalidade
receber, não ocorre “à luz do dia nem de forma documentada”, mas sim de
maneira “escamoteada”. Para o ministro, a ocultação típica dos
corrompidos não pode ser confundida com a ocultação, seguida da
dissimulação, previstas na Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98).
“Preocupa-me
o diapasão que se está dando ao tipo lavagem de dinheiro”, afirma Marco
Aurélio. “Creio que uma posição rigorosa, e diria mesmo extensiva,
presente a disciplina legal, repercutirá nacionalmente.”
Marco
Aurélio absolveu a todos nesse capítulo porque entendeu que não ficou
comprovado que eles tivessem conhecimento do crime antecedente (contra
a administração), “pois acreditavam estar recebendo dinheiro
diretamente do PT”.
O ministro Ricardo Lewandowski disse que o
Ministério Público Federal não conseguiu provar que os réus tinham
“inequívoco conhecimento da origem ilícita dos recursos”.
A
Corte pôs em pauta o dolo eventual na lavagem. O dolo eventual é
equiparável ao que os americanos chamam de cegueira deliberada - o
agente desconfia que está recebendo dinheiro sujo e prefere persistir
na conduta em vez de recusá-lo ou aprofundar o seu conhecimento a
respeito da natureza do dinheiro.
Procuradores da
República que seguem o julgamento do mensalão anotam que não há prova
de dolo direto, “pois ninguém tinha motivo para contar para os acusados
que o dinheiro era procedente de peculatos e de empréstimos
fraudulentos”.
Cultura da mala
Os
procuradores dizem, porém, que o dolo eventual era de possível
reconhecimento, pois, embora tenham pedido dinheiro para Delúbio,
receberam de Valério e sabiam disso. “O recebimento dos valores daquela
forma, saques ou repasses em espécie, com pessoas interpostas, era
indicativo de que tinham presente a elevada probabilidade de estarem
recebendo dinheiro sujo. É a cultura da mala de dinheiro”, diz um
delegado da Polícia Federal.
Para o delegado, “seria muito
ruim não reconhecer o dolo eventual na lavagem, pois deixaria de fora
da lei o lavador profissional, cuja regra é o silêncio, recebe e lava o
dinheiro e não fica perguntando de onde veio”.
O juiz
Marcelo Costenaro Cavali, da 6.ª Vara Criminal Federal em São Paulo,
concorda com o ministro Marco Aurélio. Ele anota que a ministra Rosa
Weber, já quando do julgamento do deputado João Paulo Cunha (PT-SP),
destacou que o mero pagamento da propina, com a utilização de
terceiros, não configuraria lavagem. “A conduta que caracteriza a
lavagem teria de ser posterior àquela que constituiria o crime
antecedente.”
Cavali atesta que na primeira instância o
entendimento é mais comedido. No caso Banco Panamericano, alvo de
fraudes de R$ 4,8 bilhões, executivos foram denunciados por gestão
fraudulenta, embora tenham sido supostamente utilizados contratos
simulados para repasse dos valores às empresas dos dirigentes. “Fosse
seguido o entendimento do STF, nesse caso haveria também lavagem.” Fonte: (Estadão)
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