O ex-preso político Aguinaldo Padilha destacou hoje (18), em
audiência pública da Comissão Nacional da Verdade, a postura ambígua das
igrejas protestante e católica em relação ao regime militar. "Todas
tiveram papel muito ambíguo", disse Padilha na audiência, feita em
parceria com a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.
"Antes de 64, setores da Igreja Católica principalmente e, de forma
minoritária, as igrejas protestantes, apoiaram o movimento que criou
aquele clima político que possibilitou o golpe, incentivando a histeria
anticomunista. Depois, esses setores tiveram um papel mais importante
ainda na consolidação da ditadura. Mas, ao mesmo tempo, havia setores
que resistiam. A partir de 1969 e 1970, alguns bispos começaram a se
posicionar de maneira crítica ao regime militar, inclusive apoiando,
dando guarida e proteção aos perseguidos", lembrou o metodista Padilha,
coordenador do grupo de trabalho que trata da atuação de igrejas cristãs
na época da ditadura, seja como apoiadoras do regime ou no suporte a
movimentos de resistência.
Com os depoimentos, o grupo espera conhecer detalhes dessa
ambiguidade. "Hoje, nós ouvimos duas histórias importantíssimas, de duas
pessoas ligadas à Igreja Católica, que deram detalhes da sua militância
e de como se relacionaram com a igreja, sendo acolhidas por alguns
setores, e de como outros se omitiram na defesa dos direitos delas",
ressaltou Padilha.
De manhã, houve dois depoimentos. A audiência prossegue nesta tarde e
ouve novos depoimentos amanhã (18). O primeiro a ser ouvido foi o
economista Marcos Arruda, que era geólogo e integrante da Juventude
Universitária Católica na década de 1960. Ele contou que foi perseguido
desde que entrou para o diretório estudantil na faculdade e que,
mudando-se para São Paulo, começou a trabalhar com educação de operários
na organização Ação Popular.
Arruda disse que, em 1970, quando tentava ajudar uma militante que
queria deixar a esquerda armada e entrar para a Ação Popular, acabou
preso e torturado. Ela foi presa quatro dias antes e revelou, sob
tortura, onde seria o encontro. "Fui preso pela Operação Bandeirante e
torturado, como muitos na época. Passei pelo pau-de-arara e pelas
brutalidades habituais por muitas horas. Depois de tudo isso, tive
convulsões que me salvaram a vida, porque foram obrigados a me levar
para um hospital militar. No pau-de-arara, antes mesmo de apanhar, a
gente já sofre com o nó forte nas mãos, que incham e parecem gangrenar. É
uma dor lancinante."
Arruda disse que chegou a ser torturado junto com a militante, com os
militares ameaçando matá-la, se ele não revelasse nomes. "Aconteceu de
um grupo ser preso e precisar ser torturado na nossa sala, e tivemos um
tempo para respirar. Ela, então, conseguiu me dizer, por um buraco na
tomada da cela, que se arrependia de ter me entregado, e que preferia
que eu a deixasse morrer para não mudar a minha história. Essa é a pior
tortura que alguém pode sofrer. A culpa de ser responsável pela dor do
outro", afirmou.
Nos nove meses em que ficou preso, Arruda foi visitado por dois
capelães. Ele disse a um dos religiosos, em São Paulo, que sua vida
dependia de avisar a família de que ele estava preso. O capelão chegou a
dar a extrema unção a Arruda, mas foi embora e não alertou os pais
dele. O segundo foi um bispo que o visitou no Hospital do Exército, no
Rio de Janeiro, e pediu que ficasse "na sua", quando fosse solto, sem
fazer denúncias que envergonhassem o país.
Nesse período, no entanto, a família de Arruda foi ajudada pela
Arquidiocese do Rio de Janeiro. Para escapar de nova prisão, ele fugiu
para os Estados Unidos, com apoio da Conferência dos Bispos Católicos
dos Estados Unidos e de líderes protestantes americanos.
O segundo depoimento de hoje foi de Maria Aída Bezerra, integrante de
uma organização católica que assessorava movimentos sociais. Depois de
ter uma amiga presa e torturada, Maria Aída, que chegou a mudar 16 vezes
de endereço para escapar da perseguição, recebeu ajuda de igrejas
evangélicas, mas acabou tendo que se apresentar a um quartel do Exército
em Petrópolis, no Rio, onde ficou presa por 15 dias e foi interrogada. A
pernambucana Maria Aída disse que seu maior medo era descobrirem seu
trabalho em defesa da da reforma agrária no Nordeste, mas isso não
ocorreu. "Não cheguei a ser torturada fisicamente, mas só o terror de
estar ali, até mesmo de ser convocada, já era uma tortura."
Tentando buscar ajuda para a amiga Letícia Cotrim, que estava detida,
Maria Aída procurou o então arcebispo do Rio, dom Eugênio Sales. "A
conversa não foi boa. Não deu certo. Ele não acreditava que a comunidade
cristã dele estava sendo perseguida e não quis intervir. Ele nos
considerava subversivos e era contra cristãos de esquerda", disse Maria
Aída.
Ela fugiu do Brasil duas vezes, com medo de ser presa, e teve
contato com organizações da juventude católica europeia, que se
mobilizavam em torno de causas internacionais e observavam as ditaduras
da América Latina com atenção. Com essa experiência, Maria Aída voltou
ao Brasil para ajudar os movimentos de resistência, e teve também o
apoio de igrejas metodistas. ABr
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