Crise dos emergentes ameaça se propagar

A máxima de que o que acontece nos emergentes fica nos emergentes passou. Hoje, se os problemas financeiros de algumas dessas economias se agravarem, rapidamente se transformarão em novas ameaças para os países desenvolvidos.
Os analistas criticavam nesta quinta-feira que o Federal Reserve norte-americano (Fed) nem sequer tenha mencionado as preocupações dos emergentes ao justificar sua decisão de continuar reduzindo os estímulos monetários.
O Fed "põe em segundo plano a volatilidade dos mercados", que "não menciona", apontam os analistas do Barclay's.
A gigantesca fuga de capitais, sobretudo, aos Estados Unidos, que provocou fortes desvalorizações das moedas da Turquia, Índia, Rússia ou África do Sul se deve, em grande parte, com exceção da Argentina, à política de restrição monetária da primeira economia mundial.
A maioria dos bancos centrais tenta conter essa sangria aumentando a taxa de juros ou com medidas para atrair esses fundos, vitais para países que costumam viver de crédito, originando gigantescas dívidas.
O exemplo recente mais claro foi o da Turquia, onde a lira perdeu, em seis meses, um terço de seu valor, o que levou o banco central a duplicar suas taxas sem nenhum resultado até o momento.
A África do Sul também endureceu sua política monetária, assim como a Índia e a Rússia.
Os economistas não esquecem que, durante a grande crise de divisas que sacudiu a Ásia em 1997, os problemas praticamente ficaram confinados na região.
Na quarta-feira, José Vinals, diretor do departamento de mercados e capitais financeiros do Fundo Monetário Internacional (FMI), afirmou que "não há movimento de pânico" global, mas sim uma "combinação de fatores particulares" em cada país.
Os analistas do Goldman Sachs são da mesma opinião e afirmam que se houvesse contágio, "seria de curto prazo" e, sobretudo, financeiro.
O lobby bancário internacional, o IIF, aposta em uma "recuperação progressiva dos fluxos de capital em 2014 e 2015", embora alerte que os emergentes continuam em uma área de risco, pela qual se espera que os investidores sejam "cada vez mais seletivos".
Contudo, cada vez há mais economistas que temem um contágio às economias desenvolvidas.
Os "emergentes europeus" na linha de frente
Isso se deve, em primeiro lugar, ao fato de que o peso dos emergentes na economia mundial não parou de aumentar. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a participação dos países desenvolvidos na produção da riqueza mundial, que era de 60% em 2000, caiu a 51% em 2010 e para 2030 calcula-se que se reduza a 43%.
As restrições monetárias em alguns países "terão um impacto muito negativo nos investimentos e no consumo" já que o crédito se encarece e incide na demanda de produtos fabricados nos países desenvolvidos, explica Philippe Martin, professor do Instituto de Ciências Políticas (Sciences Po) de Paris.
"Contudo, suponhamos que os bancos centrais decidam, em algum momento, deixar de apoiar as moedas: as dívidas das empresas desses países, frequentemente em moeda estrangeira, disparariam", com o consequente risco de quebras em cadeia, alerta.
"Então o contágio viria mediante o comércio internacional", que "talvez não seja gigantesco, mas também não é desprezível", disse Martin. "Realmente não é o momento (na zona do euro) de perder 0,2 ponto de crescimento", acrescenta.
"De alguma forma, na zona do euro também temos países emergentes", afirma.
Por isso, o economista também teme outro canal de transmissão "muito mais imprevisível", como é a aversão ao risco que os investidores costumam desenvolver. Se os investimentos forem retirados da Turquia ou da África do Sul, também podem ser de Portugal ou da Espanha. "Corremos o risco de voltar ao cenário catástrofe de uma volta da crise da zona do euro".
Philippe Waechter, diretor de estudos econômicos da Natixis AM, fala de "um efeito de freio" ligado às dificuldades dos emergentes, assim como de riscos para muitas multinacionais europeias e norte-americanas que "desenvolveram sua produção e podem se fragilizar".
Lembra, contudo, que na crise das moedas asiáticas "embora a queda tenha sido brutal, a recuperação foi rápida. Nesta ocasião se tentará distinguir os países que vão se recuperar rapidamente, se adaptar rapidamente e os outros". AFP


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