Com 112 páginas, o Procedimento Investigatório Criminal do Ministério Público do RS a respeito do caso do deputado estadual Mário Jardel (PSD) tem provas documentais suficientes para provocar a cassação do mandato do parlamentar. A Rádio Guaíba e o Correio do Povo tiveram acesso à integra do material, que indica o uso de dinheiro público para o pagamento de despesas particulares e o financiamento de hábitos como o uso de drogas. Ele é composto por fotos, comparações entre dados informados à Assembleia Legislativa e os do Portal Transparência, transcrições de depoimentos de servidores já prestados ao MP, pesquisas no INFOSEG/SINIVEM (o sistema de Integração das Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização, que reúne dados de veículos, condutores e armas), notas fiscais, extratos bancários, registros de postos policiais, interceptações das comunicações telefônicas e de sinais de Estações de Radiobase (que captam a localização de aparelhos celulares), além de áudios e vídeos.
O ponto de partida da investigação ocorreu em 22 de setembro de 2015 com a denúncia de um servidor comissionado do gabinete. Ele ainda retornou ao MP em outras duas ocasiões nos meses de setembro e outubro, para detalhar as denúncias. Em ambas, levou documentos para endossar suas afirmações. Também em outubro, um segundo servidor comissionado compareceu ao MP confirmando as práticas delituosas, a partir do que os promotores obtiveram autorização judicial para realizar interceptações. “Funcionam como se fossem verdadeiros servos”, conclui o MP sobre a relação entre Jardel e os servidores de seu gabinete.
Conforme consta na página 4, “praticamente toda a estrutura de gabinete e assessoria do referido Deputado Estadual foi montada com a finalidade única de atender aos seus interesses pessoais, familiares e, em especial, econômicos.” O MP aponta, além de Jardel, outros dois servidores como figuras centrais da ‘estrutura delituosa’: Christian Vontobel Miller, advogado pessoal do deputado, e Roger Antônio Foresta, responsável pela arrecadação de parte dos salários do gabinete. Nos depoimentos prestados e em conversas telefônicas, servidores relatam que, diante do esgotamento de pedido de diárias, o valor da extorsão aumentou de R$ 2,5 mil para R$ 3 mil mensais de cada um deles. “Algumas dessas condutas, sem qualquer exagero, cometidas de forma tão escancarada que beiram ao deboche e ao escárnio com a coisa pública, indicam que o referido gabinete parlamentar, sob o comando do deputado, atuava como verdadeira indústria de produção de fraudes”, descreve o texto assinado pelo procurador-geral de Justiça do RS, Marcelo Dornelles.
No item referente à exigência de que servidores do gabinete arcassem com despesas pessoais do deputado e de seus familiares, a documentação do Ministério Público do RS traz anexadas cópias de extratos onde constam saques em valores idênticos ao do aluguel do apartamento de Cesar Ribeiro Júnior, irmão do deputado e, ainda, docs da imobiliária. Para o pagamento do aluguel de outubro do irmão de Jardel, por exemplo, a investigação do MP aponta não somente a existência de fraude envolvendo uma viagem ao Litoral Norte como também a colaboração de outros agentes públicos. No caso, vereadores da região que teriam atestado a presença de um servidor do gabinete.
A viagem – que gerou R$ 1.766,65 em diárias para o gabinete – se comprova fictícia na medida em que um dos servidores estava, no mesmo dia, prestando depoimento ao MP. “Não poderia, pois, estar em dois lugares ao mesmo tempo, o que compromete não só as notas fiscais apresentadas como também as declarações de Vereadores do Litoral, atestando falsamente a presença do servidor em seus respectivos gabinetes, circunstância essa que demonstra a colaboração de outros agentes em tais práticas delituosas”, descreve o procedimento.
Fraude em diárias pagou defesa de Jardel em caso de pensão alimentícia
Em outro episódio envolvendo problemas pessoais do deputado, o MP cita o crime de peculato relacionado a uma viagem para Fortaleza no mês de junho. Conforme as investigações, Jardel teria uma demanda no poder Judiciário do Ceará, referente a uma Ação de Alimentos movida por uma filha. E, para não arcar com os gastos de deslocamento de seu advogado, obteve junto à Assembleia o pagamento de passagens e diárias do mesmo, que era um dos assessores da bancada do PSD e, também, seu procurador na referida demanda. A justificativa para a viagem perante o Legislativo foi de que o assessor estava designado para “ver projetos na área do esporte.”
“Saciar o notório vício”
Além de reiteradas fraudes, referentes ao recebimento de diárias de viagens e indenizações veiculares, e da extorsão de servidores, o Procedimento Investigatório do Ministério Público do RS sobre o deputado estadual Mário Jardel (PSD) lista, ainda, quatro pessoas que, apesar de constarem como servidores durante o período em que ocorreu a investigação ou no passado recente, jamais teriam desempenhado qualquer atividade interna ou externa vinculada ao Parlamento. Entre eles figura uma servidora que o MP aponta como “prostituta que realizava programas para o parlamentar, regados por drogas” fornecidas pelo companheiro de outra servidora fantasma.
A compra e consumo de drogas por parte do parlamentar é detalhada a partir da página 91 da documentação, sob o título ‘Financiamento ao Tráfico de Drogas’. Em diferentes passagens o texto faz alusão ao uso de dinheiro público para a compra de entorpecentes, nos quais se destaca a cocaína. “Inegável, pois, que se tratava de droga, para saciar o notório vício do Deputado Estadual Mário Jardel Almeida Ribeiro, com a peculiaridade de que tal fornecimento esteja sendo patrocinado, indiretamente, por dinheiro público, oriundo do salário pago à funcionária fantasma, esposa do fornecedor”, explicita um trecho.
A decisão do desembargador Newton de Leão
Composta por oito páginas, a decisão do desembargador Newton de Leão determina a suspensão por 180 dias do deputado estadual Mário Jardel (PSD), mas ressalva que, no período, ele deve continuar recebendo proventos normalmente, “contudo sem o exercício da função legislativa”.
Em sua determinação, o desembargador considera que “o amplo conteúdo de elementos carreados até o momento aponta para a existência de esquema delituoso montado na Assembleia Legislativa do RS pelo deputado Mário Jardel Almeida Ribeiro, com inúmeros desvios de verbas públicas (peculato), concussão, falsidades documentais e, em especial, lavagem de dinheiro, além de possíveis atos de improbidade administrativa”.
Para embasar a medida cautelar de suspensão do parlamentar do exercício da função pública, o desembargador aponta o artigo 319, inciso IV, do Código de Processo Penal, declarando a medida como necessária para a efetiva conclusão das investigações e para fazer cessar de imediato “eventual prática criminosa”.
Ao lembrar as prerrogativas e garantias dos deputados estaduais, o desembargador ressalva que “vedação alguma há em relação a medidas cautelares diversas da prisão, como, no caso, a suspensão do exercício da função pública”.
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Fonte: Rádio Guaiba e Correio do Povo
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