Engenheiro, senador e expoente da Universal: Quem é Crivella, o novo prefeito do Rio

Em uma eleição turbulenta, cercada de polêmicas, a persistência foi premiada.
Derrotado quatro vezes nas urnas nos últimos 12 anos - duas em disputas para comandar o Estado e duas pela Prefeitura - o senador Marcelo Crivella (PRB) foi eleito prefeito do Rio de Janeiro com 59,36% dos votos válidos.
Líder nas pesquisas desde o início da campanha, ele administrou sua vantagem no segundo turno, mas teve de lidar com a repercussão de uma série de acusações e revelações sobre seu passado nas últimas semanas.
  • Em meio à troca de ataques com o rival Marcelo Freixo (PSOL) e com setores da imprensa, não compareceu a debates em universidades e a entrevistas à rádio CBN, ao telejornal RJTV, e ao jornal "O Globo", todos ligados ao grupo Globo.
Após acusar a empresa, ao lado da revista Veja, de fazer uma cobertura manipuladora da disputa e de tentar mudar o resultado das eleições, acabou enfim comparecendo ao debate realizado pela TV Globo na última sexta, o último da disputa. Apresentou-se, como já virou sua marca registrada, de forma serena.
A BBC Brasil tentou entrevistar Crivella nas últimas semanas, sem sucesso.

Origens

Nascido no Rio, Crivella tem 59 anos, é engenheiro e está casado há 36 anos com a escritora Sylvia Jane. Eles têm três filhos: Deborah, Marcelo e Rachel.
É conhecido por ser vaidoso (está com o cabelo sempre impecável) e metódico. Em entrevistas, disse que a disciplina é herança dos oito anos que passou no Exército.
Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho de Edir Macedo, o fundador da denominação, é uma das estrelas do mundo gospel nacional, com mais de 15 álbuns gravados e milhares de discos vendidos - atividade que pretende manter ao lado dos afazeres de prefeito.
Filho de pais católicos, passou a frequentar a Igreja Metodista ainda criança. Anos depois, ajudou seu tio a fundar a Universal.
Além da trajetória religiosa, o novo prefeito do Rio fez questão de frisar, em diferentes momentos da campanha, que já trabalhou como taxista, engenheiro civil e professor universitário, além de ser militar da reserva.
  • Especialistas apontam a Igreja Universal tanto como a força que o catapultou ao sucesso na política quanto um "fantasma" que até hoje tinha sido obstáculo em eleições para prefeito ou governador.
Se por um lado Crivella se tornou senador em 2002 sem nunca ter disputado uma eleição antes (acabou ainda reeleito em 2010), em grande parte com a ajuda dos votos de fiéis, por outro buscou se descolar da igreja nas campanhas.
"Sou evangélico e posso ser engenheiro, mas não prefeito?", questionou recentemente.
"Não vou deixar de ser cristão e evangélico, mas peço que não deixem de votar em mim por preconceito, sob pena de o Rio de Janeiro perder mais uma vez um bom prefeito", pediu em sua propaganda eleitoral.
Desde a primeira vez que disputou a Prefeitura do Rio, em 2004, Crivella tem afirmado que a Universal e seu tio têm "influência zero" sobre sua campanha, sua trajetória política e eventuais decisões de governo.

Polêmicas

Mesmo com as tentativas de distanciamento, sua relação com a igreja foi motivo de várias polêmicas nas últimas semanas.
Na principal delas, a revista Veja publicou, em uma das versões de capa, a foto de uma suposta prisão de Crivella em flagrante em 1990, quando ele teria tentado expulsar, de forma violenta, invasores de um terreno da igreja.
O prefeito eleito nega que tenha sido preso. Em um vídeo publicado nas redes sociais, disse que foi impedido pelos invasores de entrar no terreno para inspecionar uma estrutura que corria o risco de cair: "Deu uma confusão danada, foi todo mundo para a delegacia. Lá, o delegado resolveu identificar a todos. Por isso, essa foto que você viu na capa".
Um vídeo gravado em 2014 também provocou controvérsia - para os críticos, ele coloca em xeque o distanciamento que Crivella defende publicamente entre sua carreira política a igreja. Nas imagens, ele fala a uma plateia da Universal:
"Devido à repercussão da Fazenda Canaã, fui desta vez (depois de seis anos na África e três no sertão baiano) enviado para a política. Confesso que naquele instante fiquei triste. Aceitei porque na Igreja Universal você não tem opção. Na Igreja Universal você vai, tem que ir."
Durante a campanha, também foram explorados trechos de seu livro Evangelizando a África, publicado em inglês em 1999 e lançado no Brasil em 2002, quando Crivella tinha 42 anos e foi eleito para o Senado.
Na obra, ele diz que a homossexualidade constitui "conduta maligna" e de "terrível mal" e que a Igreja Católica e outras religiões "pregam doutrinas demoníacas".
Diante da repercussão negativa, disse que, embora reconheça o texto como seu, devia desculpas à sociedade pelas ofensas que teriam sido publicadas "há décadas", "quando era jovem" e vivia na África, "num ambiente de guerras, superstição e feitiçaria".

Dualidade

Para o pastor Ed René Kivitz, membro da Igreja Batista de Água Branca, uma corrente progressista evangélica que diverge das igrejas neopentecostais, a dualidade entre o Crivella religioso e o político não passaria de "estratégia de campanha".
"Em síntese trata-se de como vender essa imagem. Para o público interno, da igreja, ele é um homem com uma missão. Para a sociedade civil, é um homem que tem o desejo de ser prefeito", diz.
"Mas eu não tenho dúvida de que a campanha e a trajetória política dele são decididas no horizonte interno da sua experiência religiosa e articulado publicamente com as forças e interesses de sustentação deste projeto religioso."
O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, apoiou Crivella no segundo turno - e se orgulha de dizer que o ajudou a conquistar votos evangélicos.
Mas lembra que fez campanha contra ele na primeira etapa e que ajudou a "derrubá-lo na eleição para governador", em 2014.
Para o pastor, que sempre foi rival de Edir Macedo, é nítido que o bispo licenciado da Universal "recebeu uma missão de seu tio".
"Ele estava numa estrutura em que era assalariado e estava embaixo, e mesmo que não fosse o que ele queria, ele obedeceu. Agora, ao chegar lá, ele pode ter percebido uma vocação para a política, e acabou gostando", diz.
Malafaia compara o novo prefeito do Rio a astros de futebol.
"Eu tenho diferenças com o Edir Macedo, e a Universal sempre foi isolada no meio evangélico, isso todos sabem. Mas o Crivella é como um Neymar, um Messi, um Cristiano Ronaldo. Um jogador que consegue se sobressair ao seu time e que aos poucos ganhou a comunidade evangélica em geral."
Kivitz classifica a sucessão de gravações e a capa da Veja como "tiros que saíram pela culatra".
"Historicamente, quanto mais a igreja evangélica foi caricaturada na imprensa, mais ela cresceu. O maior cabo eleitoral do Jair Bolsonaro é o Jean Wyllys, e vice-versa. Ao bater tanto em Crivella, a imprensa e seu adversário podem ter ajudado a fortalecer a ainda mais a imagem que ele quis transmitir, de que é alvo de preconceito e de injustiças por ser evangélico."
Questionado no último debate sobre um potencial "projeto político da Universal para o Rio", Crivella voltou a tentar se descolar.
"Você está preocupado com a minha igreja? Com Igreja Universal? Eu tenho certeza que não. E a fila dos hospitais? Interessa para eles se eu sou católico, espírita, umbandista ou evangélico? Só para o Freixo. Para você eu tenho certeza que não interessa. Não tem nada desse negócio de ser instrumento de poder de nenhuma igreja."
Integrantes de sua base, críticos e especialistas ouvidos pela BBC Brasil apontaram alguns dos ingredientes da receita de sucesso de Crivella.
Na visão deles, a lista inclui o apoio de seguidores da Universal e a conquista de fiéis de igrejas evangélicas rivais, seu amadurecimento político após mais de dez anos no Senado e a experiência como ministro da Pesca no governo Dilma Rousseff.
A principal vantagem na comparação com Freixo, segundo especialistas, foi sua capacidade de falar para o eleitor de centro, que não está alinhado com as bandeiras tradicionais da esquerda - mas tampouco partilha dos ideais liberais da elite.
"Freixo fala para a esquerda, artistas, intelectuais, militantes e a classe média de Ipanema e Leblon, pessoas que rejeitam visceralmente Crivella, mas cujos votos por si só não decidem eleição", avalia Ricardo Ismael, doutor em ciência política e pesquisador da PUC-Rio.
"Já Crivella não fala só para os evangélicos. Ele falou à massa do eleitorado de centro, que está focada em obter soluções para o cotidiano. Se vendeu como um senador, um engenheiro, buscando se descolar da Universal."
Para Ismael, a conjuntura teria incluído ainda o enfraquecimento do PMDB do Rio, que após anos no poder na Prefeitura e no Estado não conseguiu levar seu candidato, Pedro Paulo, ao segundo turno.

O que esperar da gestão?

Analistas ouvidos pela BBC Brasil consideram "exageradas" as acusações de que um governo Crivella representaria um "retrocesso" em políticas de gênero e LGBT, prejuízos ao Carnaval e à cultura e levaria a uma maior intolerância religiosa.
"Ele teve que deixar claro que não eliminará a Parada Gay nem o Carnaval e nem tolerará qualquer tipo de perseguição às religiões de matriz africana. É exagero esse tipo de acusação. Não seria estratégico para ele", diz Ismael.
As propostas de governo de Crivella prometem a modernização dos serviços públicos sem aumentar nenhum tributo municipal. Nos planos, está a redução do número de secretarias do atual 29 para "no máximo 15".
Na saúde, prometeu auditar da gestão de unidades municipais por empresas terceirizadas, as chamadas OSs, alvos de investigações e escândalos de corrupção.
O prefeito eleito disse ainda que alcançará a meta de 50% dos alunos de séries iniciais estudando em horário integral até 2020. "Vamos criar 20 mil vagas em creches e 40 mil em pré-escolas até 2020 através de uma PPP."
Sobre o legado olímpico e a manutenção das arenas equipamentos, em grande parte responsabilidade do município, Crivella diz que não quebrará contratos, mas terá que avaliar "caso a caso". "A prefeitura fez muitas concessões a empresários sem transparência."

Presidente evangélico?

Tida como um marco simbólico do maior acesso de evangélicos a cargos majoritários, sobretudo em uma cidade do porte do Rio, a vitória de Crivella é vista por analistas como indicador de que a influência evangélica na política brasileira é algo "crescente e irreversível".
"Seu governo não será fácil, com a imprensa vigiando 24h por dia e intelectuais, artistas, classe média e a esquerda visceralmente contra ele. Uma coisa é ser missionário, até ser senador e ministro. Outra bem diferente é administrar uma cidade como essa", opina Ismael.
Para Malafaia, um eventual sucesso dele abrirá o caminho para voos mais altos.
"Basta fazer a conta. Fazendo um bom governo, ele é reeleito. Nesse caso, também pode vir a ser governador posteriormente. E aí, por que não presidente da República? O primeiro presidente evangélico? Política é poder, e quanto mais se tem, mais se quer." (BBC Brasil). Foto: BBC
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