Muitas dúvidas ainda pairam sobre o ataque a um mercado de Natal em Berlim, que matou 12 pessoas nesta semana. Mesmo assim, o atentado foi transformado em munição pela extrema-direita alemã para atacar a imigração e a política de refugiados da chanceler (premiê) da Alemanha, Angela Merkel.
Um dos primeiros ataques, poucos minutos após o incidente, partiu do parlamentar europeu do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), Marcus Pretzell, companheiro da presidente do partido, Frauke Petry. "São os mortos de Merkel", escreveu o político no Twitter.
No dia seguinte, foi a vez de Petry e outras lideranças da AfD, partido islamofóbico e anti-imigração, lançarem acusações semelhantes e propagarem o medo.
"O meio em que esse tipo de crime pode prosperar foi importado sistematicamente e imprudentemente no último um ano e meio. A Alemanha não está mais segura", destacou a presidente do partido.
"Nós sempre alertamos que a política de refugiados de Angela Merkel trazia consigo um grande perigo", acrescentou o vice-presidente da AfD, Alexander Gauland, usando o incidente para fazer campanha eleitoral.
A manobra da AfD foi duramente criticada por outros partidos da oposição, como o Partido Verde e A Esquerda. No entanto, essa reação da extrema-direita sobre o ataque e o uso político do incidente já eram mais do que esperados, avaliam especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
"Para a AfD, não é tão importante saber se o autor do ataque era ou não refugiado, porque o partido quer responsabilizar a crise de refugiados e tenta fazer dela um tema envolvendo o Islã para dizer que todos os muçulmanos são perigosos", afirma o sociólogo Aiko Wagner, do Centro de Ciências para Pesquisa Social de Berlim (WZB).
Wagner diz que o ataque deve fortalecer o partido populista de direita neste primeiro momento, mas não terá um impacto positivo para a agremiação política nas eleições parlamentares na Alemanha, marcadas para setembro do ano que vem.
"O atentado ocorreu muito cedo para a AfD lucrar com isso na eleição", acrescenta.
Para o cientista político Stephan Bröchler, ainda não é possível determinar o grau deste impacto, mas ele concorda que o ataque deve, inicialmente, ter consequências incendiárias.
"O partido percebeu que chegou o momento de transformar uma opinião minoritária em majoritária. Há nisto um potencial perigoso e fusão do populismo de direita com o extremismo de direita. Na história recente da Alemanha, o radicalismo de direita jamais conseguiu alcançar a opinião da maioria. Mas o uso do ataque e da política de refugiados pela AfD está fortalecendo forças da extrema-direita", avalia Bröchler.
Por outro lado, o especialista, professor da Universidade Humboldt de Berlim, destaca que esse uso pode também impulsionar a perda de eleitores para o partido, pois aqueles que votaram na AfD como protesto devem, provavelmente, se distanciar do partido.
Já na avaliação de Joachim Trebbe, professor no Instituto de Comunicação Social e Jornalismo da Universidade Livre de Berlim, a AfD deve angariar muito eleitores conservadores.
Segundo ele, o ataque coloca na pauta eleitoral a questão da segurança interna e a política de refugiados - temas explorados pela legenda.
Mais à direita?
O atentado em Berlim foi um mais golpe contra Merkel e seu partido, a CDU, que enfrenta duras críticas devido a sua política de acolhimento de refugiados.
Diante da constante perda de eleitores nos pleitos estaduais, a sigla e a própria chanceler adotaram, no congresso anual realizado no início de dezembro, uma posição mais conservadora em relação à política migratória.
A chanceler chegou a declarar ser a favor da proibição da burca.
Na opinião dos especialistas, o ataque não deve endurecer ainda mais essa posição da CDU, mas provavelmente fará o partido focar no tema da segurança interna durante a campanha eleitoral para tentar conquistar eleitores ao se mostrar como a legenda mais apta para solucionar questões nesta área.
"Os partidos tradicionais precisam levar mais a sério o medo e a necessidade de segurança que surgiu com a questão refugiados", afirma Trebbe.
Consequências para refugiados
Especialistas avaliam ainda que governo e sociedade precisam tomar algumas medidas para evitar que o atentando ao mercado de Natal impulsione crimes de ódio contra muçulmanos e refugiados, que estão em alta no país desde o ano passado - aumentaram 77% em 2015.
No ano passado, o Departamento Federal de Investigações (BKA) registrou 1.005 ataques contra abrigos de refugiados na Alemanha, sendo que 901 deles tiveram motivação ligada aos temas defendidos pela extrema-direita. Em 2014, foram apenas 199 delitos deste tipo, 177 promovidos por seguidores da extrema-direita.
Entre as medidas citadas estão manter uma discussão sensata sobre o incidente, evitando o termo guerra, que indicaria um estado de emergência que não é real na Alemanha; a punição dos culpados pelos meios disponíveis em um Estado de direito democrático; e o debate amplo promovido pela sociedade para impedir que um crime grave como este receba a simpatia de alguns.
"Precisa ser destacado que diante da quantidade de requerentes de asilo que chegaram à Alemanha no ano passado, sempre haverá alguns que cometem crimes. Entre qualquer um milhão de pessoas no mundo há criminosos. Precisa ser reforçado que os refugiados que estão aqui fogem deste tipo de ataque, que acontecem de forma muito pior e mais frequente no país do qual eles estão fugindo", diz Wagner.
O cientista político Bröchler acrescenta ainda a importância da promoção do diálogo entre as religiões e dentro delas mesmas para evitar a propagação do ódio. (BBC) Foto: Getty Images
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