Roma - O papa Francisco disse que os homossexuais não devem ser julgados nem
marginalizados mas integrados à sociedade, numa das mais conciliatórias
declarações já feitas por qualquer pontífice sobre o tema da
homossexualidade.
Em uma abrangente conversa de 80 minutos com jornalistas no avião
que o levou de volta a Roma depois de uma semana no Brasil, Francisco
disse também que não julgaria padres gays, um tema que provoca divisão
entre os católicos.
Mas o pontífice argentino, de 76 anos, reiterou o ensinamento da Igreja de que atos homossexuais são pecaminosos.
O papa reforçou que o veto da Igreja Católica à ordenação de
mulheres no clero é definitivo, mas que gostaria que elas assumissem
papéis de maior liderança na administração e nas atividades pastorais.
E demonstrou um sentimento de dor pelos escândalos que atingem o
banco do Vaticano, durante uma prolongada entrevista coletiva, sua
primeira desde a eleição, em março, como substituto de Bento 16.
O tom direto ao responder tantas questões reforçou a vontade de
Francisco de agir de forma diferente. Ele tem evitado muitas armadilhas
do papado, defendido os pobres e abordado de cabeça erguida alguns dos
maiores escândalos que a Igreja enfrenta.
Francisco disse que há santos na Santa Sé, mas também "aqueles que não são muito santos".
O encontro com jornalistas dentro do avião cobriu temas variados,
desde a insistência do papa em reduzir sua segurança pessoal a sua
vontade de abrir os cadeados do Vaticano para sair em caminhadas.
"QUEM SOU EU PARA JULGAR?"
Em resposta a uma pergunta sobre um suposto "lobby gay" no Vaticano,
após uma série de escândalos sobre padres pedófilos e corrupção na
administração da Santa Sé, Francisco disse: "Se uma pessoa é gay e busca
Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?"
"O problema não é ter essa orientação. Precisamos ser irmãos. O problema
é o lobby por essa orientação, ou lobbies de pessoas ambiciosas,
lobbies políticos, lobbies maçônicos, tantos lobbies. Esse é o pior
problema", afirmou.
"Você vê muita coisa escrita sobre o lobby gay. Ainda não vi ninguém
no Vaticano com uma carteira de identidade se dizendo gay", brincou.
O papa defendeu os gays contra a discriminação, mas repetiu o
catecismo universal da Igreja Católica, segundo o qual a orientação
homossexual não é pecado, mas os atos homossexuais são.
"O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles
não devem ser marginalizados por causa disso (orientação sexual), e sim
que devem ser integrados à sociedade", afirmou o papa, em italiano,
usando a palavra "gay" em vez de "homossexual", que era o termo adotado
por outros pontífices.
Francisco também respondeu em parte a uma pergunta sobre o monsenhor
Battista Ricca, que foi nomeado pelo papa para supervisionar o banco do
Vaticano e que, segundo a mídia italiana, teve envolvimentos
homossexuais quando era diplomata na América Latina.
O papa disse que "uma investigação rápida" concluiu que as acusações eram infundadas.
NÃO À ORDENAÇÃO DE MULHERES É DEFINITIVO
Sobre a questão da ordenação de mulheres, ele disse: "A Igreja falou
e diz ‘não'... essa porta está fechada". Foi a primeira vez que
Francisco falou publicamente sobre o tema.
"Não podemos limitar o papel das mulheres na Igreja ao de coroinha
ou de presidente de uma entidade beneficente, deve haver mais", disse
ele, respondendo a uma pergunta.
A Igreja Católica prega que não pode ordenar mulheres porque Jesus
escolheu apenas homens como apóstolos. Defensores do sacerdócio feminino
dizem que Jesus agiu de acordo com os costumes de seu tempo.
Muitos dentro da Igreja, mesmo aqueles que se opõem à ordenação de
mulheres, dizem que elas devem ter papéis de liderança tanto na Igreja
como na administração do Vaticano.
A longa entrevista no avião foi algo bastante incomum na história do
papado moderno, tanto por sua franqueza como pela amplitude.
Ao contrário de seu antecessor, Bento 16, que sabia de antemão as
poucas perguntas que os jornalistas seriam autorizados a fazer,
Francisco, o primeiro papa não-europeu em 1.300 anos, não impôs
restrições ao responder 21 perguntas.
Ele disse que a viagem de uma semana ao Brasil o deixou muito cansado, mas "me fez muito bem espiritualmente".
O papa falou das reformas que iniciou no Vaticano, inclusive no
banco do Vaticano, que é alvo de várias investigações sobre lavagem de
dinheiro.
Francisco disse que o banco deve tornar-se "honesto e transparente",
e que vai ouvir os conselhos de uma comissão criada por ele sobre se a
instituição pode ser reformada ou deve ser fechada completamente.
O papa, que escolheu andar em um papamóvel aberto e em um carro
simples da Fiat durante a viagem ao Brasil, disse que não se preocupa
com a segurança reduzida que escolheu em comparação com seus
antecessores.
"A segurança está em confiar nas pessoas. É verdade que há sempre o
perigo de que uma pessoa louca possa tentar fazer alguma coisa, mas
também há o Senhor", disse ele, acrescentando que seria uma loucura
maior ficar longe das pessoas.
O pontífice argentino desembarcou nesta segunda-feira em Roma após
uma triunfal visita de uma semana ao Brasil, por ocasião da Jornada
Mundial da Juventude, que culminou com uma celebração que reuniu mais de
3 milhões de pessoas na praia de Copacabana, segundo estimativa da
prefeitura do Rio de Janeiro. (REUTERS)
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