Cabeçada, mão e mordidas: histórico de vilão persegue o "enigma" Suárez

 Há muito de drama, luta e superação na vida de Luis Suárez, da infância paupérrima ao estrelismo puro na Europa. Esse filme poderia ter, no entanto, um enredo bem mais previsível se, agora, na idade adulta, Luisito não parecesse se inspirar no clássico "O Médico e o Monstro". Na obra, em livro e película, Dr. Jekyll queria provar que todos têm um lado bom e outro ruim. Virou cobaia de seus próprios experimentos. Na terça-feira, foi o mundo que se transformou em testemunha do quanto o atacante flerta entre glória e vilanismo. De esperança celeste, exemplo de recuperação ímpar de uma cirurgia no joelho, tornou-se desafeto mundial, inimigo público número um, ao morder o zagueiro italiano Chiellini. Não foi a primeira vez. Um caso para divã nenhum colocar defeito.
Suárez não morde apenas com a boca. Também já assombrou o planeta numa Copa com outro golpe. Um tapa na bola, sobre a linha do gol, que salvou um gol de Gana nos acréscimos. Ao contrário desta vez, Suárez foi expulso. Acabou recompensado com o erro do chute rival e a posterior vitória nos pênaltis. Embora não tenha sido uma agressão, o atacante foi alçado ao posto de vilão do Mundial por sua efusiva comemoração após o polêmico gesto. Todos se perguntavam: onde estava a ética do jogador? 
Suarez sente dor nos dentes após mordida que ele nega ter dado (Foto: Getty Images)

O seu código de conduta pode estar em algum lugar de Salto ou Montevidéu, cidades em que cresceu, com dinheiro tão curto que o forçava a perder horas e horas catando moedas na rua, após correr pelos campinhos da base do Nacional, do Uruguai. O que, logicamente, não o exime da falha da agressão. Mas, ao menos, ajuda a compor um complicado cenário, de tentar explicar o quase inexplicável. Por que morde, Suárez?

Doutorando e mestre em Psicologia do Esporte da Universitat Autònoma de Barcelona, o psicólogo Maurício Pinto Marques acompanha, como fã de futebol, a carreira de Suárez e tem amigos no staff do Liverpool. Conhecedor da história do atleta, condiciona essas atitudes intempestivas e polêmicas a sua infância humilde sempre intrincada com o futebol. Suárez, portanto, cresceu unindo o seu talento com a bola a uma chance de sobreviver. 
- O futebol, para ele, sempre foi uma questão de sobrevivência. Foi o meio que arranjou de salvar a vida dele. É inconsciente. Num momento de grande pressão, de luta, ele acaba repetindo, há o gatilho que estoura - analisa, em contato com o GloboEsporte.com.
Cabeçada aos 15 e prova de amor aos 16

Tudo que puder, por ventura, ameaçar essa relação se torna obstáculo. O primeiro exemplo desse temperamento explosivo se deu quando tinha 15 anos, no Nacional. Descontente com uma decisão do árbitro, tascou-lhe uma cabeçada. O juiz saiu com o nariz quebrado. Dessa época, dá para se extrair um exemplo positivo do quanto o futebol é questão de vida ou morte para Suárez.
O futebol, para ele, sempre foi uma questão de sobrevivência. Torna-se inconsciente. Num momento de grande pressão, de luta, ele acaba repetindo, há o gatilho que estoura
Mauricio Marques, psicólogo
O pai havia abandonado sua casa, a vida desmoronava. O futebol ficava mais distante. Até que conheceu Sofia Balbi, de boas condições econômicas. Suárez ganhou um amor e uma nova família, tudo ao mesmo tempo, e renasceu. Mas, aos 16 anos, novamente se abalou. Os pais de Sofia a levariam para Barcelona, para fugir da crise econômica uruguaia. Eis que o futebol surge como motivador para o jogador, que prometeu à amada brilhar nos gramados para jogar na Europa e revê-la. O final todos sabem: são casados e têm dois filhos. 
- Sua timidez e calma em entrevistas em contraponto ao clima de grande pressão dos três episódios de mordidas reforça a hipótese de quanto é uma reação instintiva, possivelmente, inconsciente, que é facilitada pelo cansaço físico que favorece ações mais impensadas. Todas ocorreram no segundo tempo de jogos importantes: a primeira em um clássico holandês, durante uma briga, a segunda num Liverpool x Chelsea, enquanto estava sendo derrotado em casa, e essa há minutos de uma eliminação em Copa - pondera o psicólogo Maurício Pinto Marques. (G1)

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